Daniela faz o seu relato, tem 40 anos e vive em Vila Nova de
Famalicão.
Olá,
Chamo-me Daniela , tenho 40 anos e vivo em Vila Nova de Famalicã.
Tudo
começou 1 mês depois de eu ter nascido, tive o meu primeiro ataque
epiléptico.Fui tratada até aos 12 anos com medicação no hospital Maria Pia para
a epilepsia "grande mal".
Durante
a minha adolescência tinha dores de cabeça constantes, dores articulares,
escamação no couro cabeludo, cansaço extremo, mas todos diziam que era do
sistema nervoso, que era devido a ter tido epilepsia, etc.
Fui
operada aos 17 anos a 2 quistos no cocxis.
Ainda
com 17 anos fiquei gravida e "obrigaram-me " a abortar.
Tentei
acabar com a minha vida.
Andava
sempre deprimida, cansada e com dores.
Casei
aos 22 anos grávida da minha única filha (agora com 17 anos).
Passado
1 ano de ter tido a minha bebé, começaram a aparecer os sintomas. As dores
articulares, feridas nos dedos ( que uma enfermeira disse serem frieiras), As
dores eram tantas que eu não me consegui vestir, lavar nem mesmo andar, era o
meu marido que fazia tudo.
A
minha filha teve que ir para casa da minha mãe pois eu não consegui tratar
dela.
A
minha médica de família dizia que eu tinha sífilis com base numas analises e
por isso eu e o meu marido fizemos tratamento com injecções de penicilina
durante um ano. A minha situação só piorava.
Apareceram
também feridas nas orelhas, nos joelhos e na face( borboleta).
Um
dia estava eu no café quando o meu marido pega em mim ao colo para virmos
embora, quando um senhor nosso conhecido disse:
"Já
chega, vou tratar disto, não podes continuar assim"; e telefonou para um
médico amigo. No dia seguinte fui ter com esse médico que logo que me viu
chamou a medica de medicina interna e já não me deixaram sair do hospital. Fui
internada, onde estive 3 meses até descobrirem o que eu tinha. A médica
estagiária que ia fazer a tese aproveitou o meu caso "difícil", e todos os
dias me tirava fotos.
Ao
fim de 3 meses de muitos exames e tratamentos(senti-me uma cobaia, pois cá na
zona ainda não havia ninguém com lúpus, que se soubesse); o diagnóstico: "
LES, Artrite Reumatóide, Hipertensão, Tiróide e apenas 10 anos de vida (se me
porta-se bem). Entrei em desespero.
Antes
de ficar doente tínhamos comprado um apartamento, pois eu ganhava bem e o meu
marido também; pelo que quando fui internada pedi que entregassem a baixa no banco
para que o seguro pagasse as prestações, o banco não aceitou pelo que a divida
foi acumulando.
Pagamos
as prestações em atraso, entretanto, mas ao fim de 3 juntas médicas fui para a
reforma por incapacidade total e permanente; mais uma vez fui ao banco com toda
a documentação para que accionassem o seguro para a casa ficar paga visto que
eu nunca mais podia trabalhar. O banco mais uma vez recusou, disseram que se
não podia trabalhar com as mãos que trabalhasse com os pés.
Tentei
novamente o suicídio.
Ficamos
sem apartamento, que foi a leilão e até hoje ainda pago juros. Fomos viver para
casa do meu tio mais novo.
Passado
duas semanas descobri que esse meu tio tinha um linfoma muito grave e sida. Não
sei até hoje onde fui buscar forças, mas entre idas ao hospital, dores ainda
tive que tratar do meu tio 24 horas por dia durante 6 meses, até ao seu
falecimento.
Eu
era seguida aqui no hospital por uma médica espanhola de medicina interna, que
fez de mim uma cobaia (mais uma vez) e só me intoxicava com cortisona
(60mg/dia).
Nessa
altura as crises eram de tal ordem que eu andava de gatas.
As
minhas 3 irmãs diziam:
"
Tu não queres é trabalhar", " és uma preguiçosa", etc...
Fui
fazer uma biopsia renal ao hospital de S. João , a mando da minha médica , pois
os meus rins começavam a dar sinal e eu estava com pés de elefante. Essa
biópsia correu tão mal que acabei na UCI durante 7 dias entre a vida e a morte
por incompetência médica.
O
meu marido cheio de me ver assim, pegou em mim e levou-me á associação de
doentes com lúpus em Matosinhos, onde fomos muito bem recebidos pela Belém, que
me encaminhou para o médico do hospital de Stº António, onde permaneço até
hoje.
No
HSA tenho os meus 2 anjos da guarda ( o medico de doenças auto-imunes e o de
nefrologia), pois sem eles já não estaria cá.
Já
tenho 14 anestesias gerais , fora as locais.
Fui
operada ás cataratas, ao útero, á boca( porque tive que tirar todas as raízes
pois os dentes caiam e pareciam de borracha), etc....
Tenho
asma, vasculite, artrite reumatóide, hipertensão, 11 quistos mamarios, o
coração afectado do lado esquerdo, uma nefrite lupica de grau IV,enfim só não
tenho os pulmões afectados.
Durante
todos estes anos foram vários os tratamentos que fiz. Desde quimioterapias,
ciclofosfamidas, tudo me foi feito.
Comecei
com 23 comprimidos por dia e hoje estou com 12, que não consigo deixar pois se
não os tomar no dia seguinte não me mexo.
Tive
tantos internamentos na medicina 2B, que não consigo contabilizar e a considero
a minha segunda casa.
Estive
pelo menos 3 vezes ás portas da morte, uma por pneumonia grave, outra por
potássio a mais(nunca me esquecerei da resina que tinha que comer ás colherada,
era horrível) e a última por falha dos rins.
Nessa
altura o meu médico propôs-me fazer um tratamento em fase experimental (eu
seria a 3ª ), para aguentar os rins sem ir para diálise, aceitei.
Fiz
o RATUXIMAB.
Correu
bem, e agora sei que já o aplicam em doentes com lupus.
Tenho
dores?? Tenho!!
Ouço
muitas vezes:" Não pareces doente", " podias arranjar
trabalho", "estás com bom aspecto", etc...ouço!! e dói, como
dói!!!Principalmente quando esses comentários são de pessoas que te são
próximas.
Hoje
a minha filha vive comigo e diz que nunca conheceu a mãe sem estar doente.
Eu
costumo dizer que hà 16 anos que não sei o que é viver um dia que seja sem
dores.
Penso
muitas vezes acabar comigo e assim não sofrer mais nem fazer sofrer.
Apareceu-me
á pouco tempo a Gota( ácido úrico), que me tem dado que fazer, tais são as
dores nos pés.
Dores
de cabeça é todos os dias devido ás tensões, assim como as dores articulares.
Ganhei
um problema no estômago devido a não mastigar bem os alimentos pois não tenho
dentes e o acido sobe e dá uma azia, vómitos, enjoos,etc.
Hoje
em dia estou numa fase menos boa, pois a depressão teima em não ir embora. Não
saio de casa, não tenho vontade de fazer nada, passo o dia inteiro deitada no
sofá a jogar no pc.
A
falta dos dentes também não ajuda a minha auto estima e por consequência não me arranjo,
não saio.
Querer
tomar banho e não conseguir, querer apertar um botão e não ter forças, isso é o
meu dia-a-dia.
O
cabelo cai tanto que existe cabelo em qualquer sitio da casa.
Vale
a compreensão do meu marido porque o resto da família não compreende ou não se
esforça por compreender.
Penso
que salvo raras excepções só os doentes de lúpus sabem entender do que falo e o
que sinto.
De
momento a terapêutica que faço é a seguinte:
Em
jejum:
1
Eutirox
De
manhã
2
Pantoprazol;
1
Lepicortinolo 5mg;
1
Lasix;
1
Losortan;
1
Venlafaxina 75mg;
1
Zyloric;
1
Cardivio;
10
gotas de Vigantol.
Ao
jantar:
1
Crestor;
1Amlodipina
Ao
deitar:
1Rivotril
Aparelho
da apneia
SOS
Ben-u-ron
Bomba
da asma.
Espero
ter ajudado alguma coisa ou alguém com este meu testemunho.
No
momento em que teclo este texto as dores nos ombros são tantas que tenho que ir
descansar.
Força
a todos/as, pois sem vontade a nossa vida fica muito mais pesada.
Não
importa o que os outros dizem, temos que conhecer o nosso corpo e dar-lhe
atenção.
Bem
hajam por existirem na minha vida pois assim sei que não estou só nesta luta.
6 comentários:
Daniela o que importa é nossa família em casa e tens bom marido e boa filha o resto, já sabes, esquece!
Já agora quando vieres a cidade :-D avisa ..
:-* :-*
Sim Paula Ferreira, aviso, mas de momento estou sem carro, porque tive um acidente e desfiz a frente, lol. beijinhos
Olá eu sou a Andreia, Também eu sofro represálias da família por não trabalhar, por dizer que tenho dores, que estou cansada. Ninguem nos compreende e para leles somos malandras, não queremos é trabalhar!!! Fui internada em julho de com a borboleta na cara, já em caso extremo pois em 3 ias parecia um bicho, estive internada 10 dias.Uma semana apos o regresso a casa vieram as dores articulares. começou num pé ate que em Setembro as dores eram tantas que deixei de andar.O meu médico no S.Joao, medicina interna dizia que não tinha nada, ate psicológico me disse que era. Tomava eu nessa altura 80mg cortisona dia para conseguir andar. Até que em Fevereiro comecei a ter dores apesar da cortisona que tomava e fui novamente as urgências do H S João e uma sra que la estava na sala de espera disse a minha mãe que conhecia um reumatologista, e claro lá fui eu. Graças a ele que me diagnosticou o Lupus eritematoso sistémico me tirou liquido dos 2 joelhos que pareciam 2 bolas autenticas e me receitou o plaquinol. Baixei a dose da cortisona para 7mg e continuo a tomar voltarem para as dores. Mas claro difícil é ouvir as piadas de quem acha que finjo para não ir trabalhar... E a minha imagem claro, engordei 12kg a nem da vontade de ir as compras nada assenta bem!!!! mas pelo menos não ando de canadianas ou estou de cama.... Bjinhos
Olá Andreia, lamento saber que também tens lupus.
Quem sou eu para dar conselhos, mas acho que tenho o "dever" de te alertar para algumas coisas sobre ests maldita doença, afinal já tenho 16 anos desta luta, e algumas de nós mais de 20.
1* Nunca tomes nada para as dores sem ser ben-u-ron. O voltaren faz mal.
2* Temos vários grupos de apoio no facebook onde te podes aconselhar e constatar que não és a única, existem muitas cono nós.
3* A associaçao de doentes com lupus existe para te aconselhar
4*Tenta ir ao hospital de santo antonio, como deves ter lido nomeu relato o hospital de s. Joao ia-me matando pelo a mim nao me apanham lá
5*Muito importante, que tenhas força pois há dias melhores do que outros e nos menos bons nao podes ligar ao que os outros dizem, só tu é que sabes como te sentes e que dores tens
6*tenta conhecer os sinais que o teu corpo te dá para assim ao primeiro sintoma ficares alerta e puderes agir.
E por ultimo aponta no caderno todos os sintomas e todas as perguntas que queres ver respondidas para que quando fores ao medico nao esqueceres de nada.
Espero ter ajudado alguma coisa.
Se algum dia passares por famalicao, contata-me, teria muito gosto de te conhecer pessoalmente e falar contigo.
As melhoras e muita força
Daniela, como sabes, Faço parte do grupo lupus, leio daqui e dali e nem sempre conheço a história completa dos doentes e difícil é conseguir registrar as histórias lupicas completas, pois acho k ng o conseguia e eu não deixo de ser mais uma portadora desta enfermidade. Aprendi com o meu médico a ler cada caso e pensar, está aqui um lupus, um lupinhos, um lupao! Mas muito facilmente acabo por já nem lembrar quem escreveu, bom por um lado e mau por outro, é assustador o aumento de portadores com lupus. Já nos conhecemos há uns anos e apenas sabia do teu problema de dentes. Hoje tive a curiosidade de ler a tua história e mais cabeluda do que pensava. No entanto já tens uma filha crescida, isto a propósito do que me ensinaram, faz uma lista do que tens de mau e do que tens de bom que te pode ajudar a superar os obstaculos que lupus te pode trazer. Então faz isso Daniela, assim como recomendo a qualquer pessoa. E não se esquecam, quem tem uma família que apoia, já é meio caminho andado! Como já percebi Daniela, tens o teu marido que ao longo destes anos todos consta presente na tua história. A tua Mãe e a tua filha, percebo a Tua revolta de não conseguires ser a Mãe que tu mesma gostavas e não lhe conseguires oferecer mais. Agarra te a tudo de bom que tens, acredita que muitos lupicos queriam unicamente o apoio familiar e não tem, vivem sabe Deus como com mais essa guerra nas costas, o que complica tudo na vida deles até mesmo a saúde. Se já é duro viver com esta doença, imagina não teres onde encostar a cabeça no ombro do seio familiar e desenrascar com a lei do desenrasque, pensa nisso! Coragem ,nunca desistir pois quem luta contigo tbm merece estar contigo nas vitórias e assim os laços.de amor aumentam e se tornam mais firmes sem folgas. És Tu sim quem mais sofre, mas a tua família tbm sofre e fica feliz qd estás bem e é por esses que deves continuar a lutar bem firme. Relativamente a quem crítica, ignora, fala o menos possível,, puxa para trás das costas, a gente não precisa de quem nos critique e sim de quem nos ajuda. Força! A tua filha um dia vai dizer que foste uma guerreira e vai ter muito orgulho na Mãe, deixa crescer mais um pouco, esta idade não ajuda muito, ok?
Daniela, outra coisa, não podes desclassificar dessa forma o Hospital São João e muito menos em público, tiveste uma má esperiencia, acontece! Eu tbm já vi de tudo, no entanto conheço muitas pessoas seguidas neste hospital que tem o feedback muito positivo dos profissionais de Saúde.
Enviar um comentário