sábado, 13 de setembro de 2014

Relato de Daniela Lima

Daniela faz o seu relato, tem 40 anos e vive em Vila Nova de Famalicão.
 
Olá,
 
Chamo-me Daniela , tenho 40 anos e vivo em Vila Nova de Famalicã.
Tudo começou 1 mês depois de eu ter nascido, tive o meu primeiro ataque epiléptico.Fui tratada até aos 12 anos com medicação no hospital Maria Pia para a epilepsia "grande mal".
Durante a minha adolescência tinha dores de cabeça constantes, dores articulares, escamação no couro cabeludo, cansaço extremo, mas todos diziam que era do sistema nervoso, que era devido a ter tido epilepsia, etc.
Fui operada aos 17 anos a 2 quistos no cocxis.
Ainda com 17 anos fiquei gravida e "obrigaram-me " a abortar.
Tentei acabar com a minha vida.
Andava sempre deprimida, cansada e com dores.
Casei aos 22 anos grávida da minha única filha (agora com 17 anos).
Passado 1 ano de ter tido a minha bebé, começaram a aparecer os sintomas. As dores articulares, feridas nos dedos ( que uma enfermeira disse serem frieiras), As dores eram tantas que eu não me consegui vestir, lavar nem mesmo andar, era o meu marido que fazia tudo.
A minha filha teve que ir para casa da minha mãe pois eu não consegui tratar dela.
A minha médica de família dizia que eu tinha sífilis com base numas analises e por isso eu e o meu marido fizemos tratamento com injecções de penicilina durante um ano. A minha situação só piorava.
Apareceram também feridas nas orelhas, nos joelhos e na face( borboleta).
Um dia estava eu no café quando o meu marido pega em mim ao colo para virmos embora, quando um senhor nosso conhecido disse:
"Já chega, vou tratar disto, não podes continuar assim"; e telefonou para um médico amigo. No dia seguinte fui ter com esse médico que logo que me viu chamou a medica de medicina interna e já não me deixaram sair do hospital. Fui internada, onde estive 3 meses até descobrirem o que eu tinha. A médica estagiária que ia fazer a tese aproveitou o meu caso "difícil", e todos os dias me tirava fotos.
Ao fim de 3 meses de muitos exames e tratamentos(senti-me uma cobaia, pois cá na zona ainda não havia ninguém com lúpus, que se soubesse); o diagnóstico: " LES, Artrite Reumatóide, Hipertensão, Tiróide e apenas 10 anos de vida (se me porta-se bem). Entrei em desespero.
Antes de ficar doente tínhamos comprado um apartamento, pois eu ganhava bem e o meu marido também; pelo que quando fui internada pedi que entregassem a baixa no banco para que o seguro pagasse as prestações, o banco não aceitou pelo que a divida foi acumulando.
Pagamos as prestações em atraso, entretanto, mas ao fim de 3 juntas médicas fui para a reforma por incapacidade total e permanente; mais uma vez fui ao banco com toda a documentação para que accionassem o seguro para a casa ficar paga visto que eu nunca mais podia trabalhar. O banco mais uma vez recusou, disseram que se não podia trabalhar com as mãos que trabalhasse com os pés.
Tentei novamente o suicídio.
Ficamos sem apartamento, que foi a leilão e até hoje ainda pago juros. Fomos viver para casa do meu tio mais novo.
Passado duas semanas descobri que esse meu tio tinha um linfoma muito grave e sida. Não sei até hoje onde fui buscar forças, mas entre idas ao hospital, dores ainda tive que tratar do meu tio 24 horas por dia durante 6 meses, até ao seu falecimento.
Eu era seguida aqui no hospital por uma médica espanhola de medicina interna, que fez de mim uma cobaia (mais uma vez) e só me intoxicava com cortisona (60mg/dia).
Nessa altura as crises eram de tal ordem que eu andava de gatas.
As minhas 3 irmãs diziam:
" Tu não queres é trabalhar", " és uma preguiçosa", etc...
Fui fazer uma biopsia renal ao hospital de S. João , a mando da minha médica , pois os meus rins começavam a dar sinal e eu estava com pés de elefante. Essa biópsia correu tão mal que acabei na UCI durante 7 dias entre a vida e a morte por incompetência médica.
O meu marido cheio de me ver assim, pegou em mim e levou-me á associação de doentes com lúpus em Matosinhos, onde fomos muito bem recebidos pela Belém, que me encaminhou para o médico do hospital de Stº António, onde permaneço até hoje.
No HSA tenho os meus 2 anjos da guarda ( o medico de doenças auto-imunes e o de nefrologia), pois sem eles já não estaria cá.
Já tenho 14 anestesias gerais , fora as locais.
Fui operada ás cataratas, ao útero, á boca( porque tive que tirar todas as raízes pois os dentes caiam e pareciam de borracha), etc....
Tenho asma, vasculite, artrite reumatóide, hipertensão, 11 quistos mamarios, o coração afectado do lado esquerdo, uma nefrite lupica de grau IV,enfim só não tenho os pulmões afectados.
Durante todos estes anos foram vários os tratamentos que fiz. Desde quimioterapias, ciclofosfamidas, tudo me foi feito.
Comecei com 23 comprimidos por dia e hoje estou com 12, que não consigo deixar pois se não os tomar no dia seguinte não me mexo.
Tive tantos internamentos na medicina 2B, que não consigo contabilizar e a considero a minha segunda casa.
Estive pelo menos 3 vezes ás portas da morte, uma por pneumonia grave, outra por potássio a mais(nunca me esquecerei da resina que tinha que comer ás colherada, era horrível) e a última por falha dos rins.
Nessa altura o meu médico propôs-me fazer um tratamento em fase experimental (eu seria a 3ª ), para aguentar os rins sem ir para diálise, aceitei.
Fiz o RATUXIMAB.
Correu bem, e agora sei que já o aplicam em doentes com lupus.
Tenho dores?? Tenho!!
Ouço muitas vezes:" Não pareces doente", " podias arranjar trabalho", "estás com bom aspecto", etc...ouço!! e dói, como dói!!!Principalmente quando esses comentários são de pessoas que te são próximas. 
Hoje a minha filha vive comigo e diz que nunca conheceu a mãe sem estar doente.
Eu costumo dizer que hà 16 anos que não sei o que é viver um dia que seja sem dores.
Penso muitas vezes acabar comigo e assim não sofrer mais nem fazer sofrer.
Apareceu-me á pouco tempo a Gota( ácido úrico), que me tem dado que fazer, tais são as dores nos pés.
Dores de cabeça é todos os dias devido ás tensões, assim como as dores articulares.
Ganhei um problema no estômago devido a não mastigar bem os alimentos pois não tenho dentes e o acido sobe e dá uma azia, vómitos, enjoos,etc.
Hoje em dia estou numa fase menos boa, pois a depressão teima em não ir embora. Não saio de casa, não tenho vontade de fazer nada, passo o dia inteiro deitada no sofá a jogar no pc.
A falta dos dentes também não ajuda a minha auto estima e por consequência não me arranjo, não saio.
Querer tomar banho e não conseguir, querer apertar um botão e não ter forças, isso é o meu dia-a-dia.
O cabelo cai tanto que existe cabelo em qualquer sitio da casa.
Vale a compreensão do meu marido porque o resto da família não compreende ou não se esforça por compreender.
Penso que salvo raras excepções só os doentes de lúpus sabem entender do que falo e o que sinto.
De momento a terapêutica que faço é a seguinte:
 
Em jejum:
1 Eutirox
De manhã
2 Pantoprazol;
1 Lepicortinolo 5mg;
1 Lasix;
1 Losortan;
1 Venlafaxina 75mg;
1 Zyloric;
1 Cardivio;
10 gotas de Vigantol.
Ao jantar:
1 Crestor;
1Amlodipina
Ao deitar:
1Rivotril
Aparelho da apneia
SOS
Ben-u-ron
Bomba da asma.
Espero ter ajudado alguma coisa ou alguém com este meu testemunho.
No momento em que teclo este texto as dores nos ombros são tantas que tenho que ir descansar.
Força a todos/as, pois sem vontade a nossa vida fica muito mais pesada.
Não importa o que os outros dizem, temos que conhecer o nosso corpo e dar-lhe atenção.
Bem hajam por existirem na minha vida pois assim sei que não estou só nesta luta.

6 comentários:

Paula Ferreira disse...

Daniela o que importa é nossa família em casa e tens bom marido e boa filha o resto, já sabes, esquece!
Já agora quando vieres a cidade :-D avisa ..
:-* :-*

Unknown disse...

Sim Paula Ferreira, aviso, mas de momento estou sem carro, porque tive um acidente e desfiz a frente, lol. beijinhos

Unknown disse...

Olá eu sou a Andreia, Também eu sofro represálias da família por não trabalhar, por dizer que tenho dores, que estou cansada. Ninguem nos compreende e para leles somos malandras, não queremos é trabalhar!!! Fui internada em julho de com a borboleta na cara, já em caso extremo pois em 3 ias parecia um bicho, estive internada 10 dias.Uma semana apos o regresso a casa vieram as dores articulares. começou num pé ate que em Setembro as dores eram tantas que deixei de andar.O meu médico no S.Joao, medicina interna dizia que não tinha nada, ate psicológico me disse que era. Tomava eu nessa altura 80mg cortisona dia para conseguir andar. Até que em Fevereiro comecei a ter dores apesar da cortisona que tomava e fui novamente as urgências do H S João e uma sra que la estava na sala de espera disse a minha mãe que conhecia um reumatologista, e claro lá fui eu. Graças a ele que me diagnosticou o Lupus eritematoso sistémico me tirou liquido dos 2 joelhos que pareciam 2 bolas autenticas e me receitou o plaquinol. Baixei a dose da cortisona para 7mg e continuo a tomar voltarem para as dores. Mas claro difícil é ouvir as piadas de quem acha que finjo para não ir trabalhar... E a minha imagem claro, engordei 12kg a nem da vontade de ir as compras nada assenta bem!!!! mas pelo menos não ando de canadianas ou estou de cama.... Bjinhos

Unknown disse...

Olá Andreia, lamento saber que também tens lupus.
Quem sou eu para dar conselhos, mas acho que tenho o "dever" de te alertar para algumas coisas sobre ests maldita doença, afinal já tenho 16 anos desta luta, e algumas de nós mais de 20.
1* Nunca tomes nada para as dores sem ser ben-u-ron. O voltaren faz mal.
2* Temos vários grupos de apoio no facebook onde te podes aconselhar e constatar que não és a única, existem muitas cono nós.
3* A associaçao de doentes com lupus existe para te aconselhar
4*Tenta ir ao hospital de santo antonio, como deves ter lido nomeu relato o hospital de s. Joao ia-me matando pelo a mim nao me apanham lá
5*Muito importante, que tenhas força pois há dias melhores do que outros e nos menos bons nao podes ligar ao que os outros dizem, só tu é que sabes como te sentes e que dores tens
6*tenta conhecer os sinais que o teu corpo te dá para assim ao primeiro sintoma ficares alerta e puderes agir.
E por ultimo aponta no caderno todos os sintomas e todas as perguntas que queres ver respondidas para que quando fores ao medico nao esqueceres de nada.
Espero ter ajudado alguma coisa.
Se algum dia passares por famalicao, contata-me, teria muito gosto de te conhecer pessoalmente e falar contigo.
As melhoras e muita força

Lídia Cachetas disse...

Daniela, como sabes, Faço parte do grupo lupus, leio daqui e dali e nem sempre conheço a história completa dos doentes e difícil é conseguir registrar as histórias lupicas completas, pois acho k ng o conseguia e eu não deixo de ser mais uma portadora desta enfermidade. Aprendi com o meu médico a ler cada caso e pensar, está aqui um lupus, um lupinhos, um lupao! Mas muito facilmente acabo por já nem lembrar quem escreveu, bom por um lado e mau por outro, é assustador o aumento de portadores com lupus. Já nos conhecemos há uns anos e apenas sabia do teu problema de dentes. Hoje tive a curiosidade de ler a tua história e mais cabeluda do que pensava. No entanto já tens uma filha crescida, isto a propósito do que me ensinaram, faz uma lista do que tens de mau e do que tens de bom que te pode ajudar a superar os obstaculos que lupus te pode trazer. Então faz isso Daniela, assim como recomendo a qualquer pessoa. E não se esquecam, quem tem uma família que apoia, já é meio caminho andado! Como já percebi Daniela, tens o teu marido que ao longo destes anos todos consta presente na tua história. A tua Mãe e a tua filha, percebo a Tua revolta de não conseguires ser a Mãe que tu mesma gostavas e não lhe conseguires oferecer mais. Agarra te a tudo de bom que tens, acredita que muitos lupicos queriam unicamente o apoio familiar e não tem, vivem sabe Deus como com mais essa guerra nas costas, o que complica tudo na vida deles até mesmo a saúde. Se já é duro viver com esta doença, imagina não teres onde encostar a cabeça no ombro do seio familiar e desenrascar com a lei do desenrasque, pensa nisso! Coragem ,nunca desistir pois quem luta contigo tbm merece estar contigo nas vitórias e assim os laços.de amor aumentam e se tornam mais firmes sem folgas. És Tu sim quem mais sofre, mas a tua família tbm sofre e fica feliz qd estás bem e é por esses que deves continuar a lutar bem firme. Relativamente a quem crítica, ignora, fala o menos possível,, puxa para trás das costas, a gente não precisa de quem nos critique e sim de quem nos ajuda. Força! A tua filha um dia vai dizer que foste uma guerreira e vai ter muito orgulho na Mãe, deixa crescer mais um pouco, esta idade não ajuda muito, ok?

Lídia Cachetas disse...

Daniela, outra coisa, não podes desclassificar dessa forma o Hospital São João e muito menos em público, tiveste uma má esperiencia, acontece! Eu tbm já vi de tudo, no entanto conheço muitas pessoas seguidas neste hospital que tem o feedback muito positivo dos profissionais de Saúde.