Olá boa noite.
Chamo-me Helena, tenho 43 anos,
sou natural de Coimbra e atualmente estou a residir no concelho de Santa Maria
da Feira. Há 29 anos, o Lúpus começou a fazer parte da minha vida. Na minha
adolescência, lá surgiu ele. Eu mudei, a minha vida mudou. Comecei a sentir
dores nos tornozelos quando acabava de fazer educação física. Como pensava que
tinha dado mau jeito a praticar exercício físico, ligava o pé e ao outro dia
não se passava nada. Andei assim durante o ano lectivo. No ano seguinte é que
foi mais complicado, pois além das dores comecei a ter picos de febre. A minha
mãe aí ficou preocupada, já era sinal de que alguma coisa não estava nada bem. Comecei
a andar no médico e ele para começar mandou-me logo fazer análises, onde na
lista constava a VS- velocidade de sedimentação. As análises estavam todas bem tirando
a VS que dava valores acima de 300. Bem, muito assustador pois era sinal de que
eu tinha alguma infecção e não se sabia de onde. Como no fim de fazer muitos
exames estava tudo normal, a conselho do meu médico, tive de ser internada,
pois os restantes exames iriam dar custos muito elevados e também era melhor
vigiada por causa da febre que, tanto era normal como em 10 minutos ía para os
39º e passado pouco tempo baixava sem tomar nada. Ao fim de um mês e meio de
estar internada e de ter feito todos os tipos de exames e análises tive alta do
HUC- Hospital da Universidade de Coimbra, ficando só a aguardar o resultado do
medulograma, pois até de leucemia eles suspeitavam que tinha. Em mês e meio de
hospitalização perdi 13 kilos e a febre estava sempre a pregar-me partidas. No
fim de 2 dias de estar em casa, ao levantar-me de manhã da cama fui abaixo das
pernas sem ter forças absolutamente nenhumas para me manter em pé, sem dores.
Aí sim fiquei em pânico pois com 14 anos e paralisada não podia ser. A minha
mãe ligou logo para o médico e ele encaminhou-me logo para um reumatologista.
Perante o meu quadro clínico e sintomas, voltei novamente a fazer uma série de
análises, na qual sem eu saber para que era, constava a do lúpus. Aí sim já
obtive resposta para o que se passava. Como na altura do meu internamento, de
certa forma senti-me enganada pelos médicos, para mim eram todos mentirosos e
aldrabões. Portanto as minhas primeiras palavras para o meu reumatologista e
antes de me sentar à frente dele foi: Sr. Dr. se não que passar por mentiroso
porque não confio nos médicos, quero que seja sincero comigo e me diga a
verdade sobre o que tenho e o que me vai acontecer. Sentei-me e ele começou por
me dizer que tinha uma doença que tinha o nome de LES - lupus eritematoso
sistémico. Havia dois tipos, o meu, Lúpus Eritematoso Sistémico e o Discóide.
Como sempre em tudo na vida gostei de ser diferente até o Lúpus tinha que ser o
mais complicado. Mas segundo o meu médico se fizesse o que ele me dissesse
estava tudo controlado e iria correr bem. Perguntei logo se podia fazer a minha
vida normal e ele disse-me que sim, só tinha era 3 inimigos nr. 1, fazer praia,
tomar a pílula e tomar calmantes. Iria também que ter paciência, pois tinha que
fazer medicação que iria ser complicado a adaptação. Foi quando me disse que
tinha de tomar cortisona e da maneira que estava tinha que ser doze de ataque
30mg diárias, pelo qual o meu corpo elegante iria desaparecer. A minha mãe começou
logo a chorar, porque a menina dela com 14 anos tinha de tomar cortisona. Na
hora mandei a minha mãe calar, pois a doente era eu e não ela. No fim de pesar
os prós e os contra e no fim de muito pensar, perguntei se um dia poderia ter
filhos. Ele respondeu-me afirmativamente, mas teria que ser com autorização
dele e no fim de fazer exames. Engordei brutalmente e entretanto apareceu-me a
famosa borboleta na cara. Não tive medo, mas senti-me muito triste, triste como
poucas vezes me senti nesta vida, ainda tão insignificante diante de tantas
possibilidades que ainda existiam. Sei como isso causou medo a quem me amava,
aos meus amigos e familiares, especialmente à minha mãe. Só eu sei como era
difícil olhar no espelho e não me encontrar. Cheguei a um ponto na minha vida
que não me via ao espelho, cheguei a fazer caracóis no cabelo para me poder
pentear sem lhe dar uso. Aí sim custou-me muito a adaptar-me ao meu novo corpo
e fisionomia. Bem os anos foram passando e quando eu tinha 20 anos, faleceu uma
vizinha minha de 21 anos também com o lúpus. Apesar de eu me sentir bem, o
lúpus estar controlado e estar a tomar só 10 mg de cortisona, entrei em pânico
e pensei que a seguir era eu a falecer. Comecei a chorar e disse à minha mãe de
que independente do meu estado civil eu antes de morrer ía deixar um filho. Por
ironia do destino, passado 3 meses e apesar de tomar precauções engravidei da
minha filha. Quando dei a notícia ao meu médico ele queria -me
"matar", até irresponsável me chamou. Contei-lhe que mesmo a ter cuidado
tinha acontecido. No fim de ele se acalmar e digerir a notícia pôs-me ao
corrente do que podia acontecer. Iria ser uma gravidez de risco e que até aos 4
meses de gestação poderia perder o bebé, se tal não acontecesse que iria nascer
antes do tempo. Correu tudo bem, mas nasceu antes do tempo. Nasceu uma princesa
linda, perfeitinha e saudável. À nascença fizeram-lhe o despiste do lúpus e
felizmente não tem. Passado 4 anos tive um rapagão, já com autorização do
médico, mas também antes do tempo. Nem um nem outro precisaram de incubadora. Tenho
um casal de filhos lindos com 21 e 17 anos. O que eu quero dizer com isto tudo
é que, apesar de eu saber o que me pode acontecer, falência dos órgãos
internos, sempre fiz a minha vida perfeitamente normal. Nunca fiquei de cama,
apesar de por vezes arrastar-me para me poder deslocar, sempre comi, bebi e
profissionalmente estou realizada. Como profissão sou motorista/socorrista há
13 anos, numa empresa privada de ambulâncias. Também sei que é uma profissão
pesada para mim, mas é o que adoro fazer. Sempre disse e digo: parar é morrer e
para mim uma pessoa doente é quando se fica acamada sem se conseguir mexer para
o resto da vida. Sim eu sei e se sei, que as dores dão muitas limitações e
quando dói, dói mesmo, quase insuportáveis mas se uma pessoa pára é pior e o
lupus agradece pois toma conta de uma pessoa a uma velocidade astronómica. Por
isso mesmo e pelo resto, nunca desanimar nem tão pouco desistir. Vivo com o
lupus há 29 anos e quero viver outos 29. Actualmente continuo a tomar
cortisona, que nunca deixei de tomar, 10 mg diárias. O Lúpus me ensinou à
valorizar pequenos gestos, pequenas conquistas e pequenas vitórias.
Sempre agradeço por coisas que eu
posso fazer e sei que existem pessoas que não podem.
Hoje valorizo não só o que eu
deixei de fazer por causa do Lúpus, valorizo tudo e qualquer coisa que faço e
que VIVO. Vivo um dia de cada vez e agradeço a Deus por mais um ano passado.
Aproveito também para deixar aqui o meu profundo e sincero agradecimento ao meu
médico Professor José Julio Moura
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