domingo, 14 de setembro de 2014

Relato de Helena Cristina Dias

Helena faz o seu relato, tem 43 anos e vive em Santa Maria da Feira.

Olá boa noite.

Chamo-me Helena, tenho 43 anos, sou natural de Coimbra e atualmente estou a residir no concelho de Santa Maria da Feira. Há 29 anos, o Lúpus começou a fazer parte da minha vida. Na minha adolescência, lá surgiu ele. Eu mudei, a minha vida mudou. Comecei a sentir dores nos tornozelos quando acabava de fazer educação física. Como pensava que tinha dado mau jeito a praticar exercício físico, ligava o pé e ao outro dia não se passava nada. Andei assim durante o ano lectivo. No ano seguinte é que foi mais complicado, pois além das dores comecei a ter picos de febre. A minha mãe aí ficou preocupada, já era sinal de que alguma coisa não estava nada bem. Comecei a andar no médico e ele para começar mandou-me logo fazer análises, onde na lista constava a VS- velocidade de sedimentação. As análises estavam todas bem tirando a VS que dava valores acima de 300. Bem, muito assustador pois era sinal de que eu tinha alguma infecção e não se sabia de onde. Como no fim de fazer muitos exames estava tudo normal, a conselho do meu médico, tive de ser internada, pois os restantes exames iriam dar custos muito elevados e também era melhor vigiada por causa da febre que, tanto era normal como em 10 minutos ía para os 39º e passado pouco tempo baixava sem tomar nada. Ao fim de um mês e meio de estar internada e de ter feito todos os tipos de exames e análises tive alta do HUC- Hospital da Universidade de Coimbra, ficando só a aguardar o resultado do medulograma, pois até de leucemia eles suspeitavam que tinha. Em mês e meio de hospitalização perdi 13 kilos e a febre estava sempre a pregar-me partidas. No fim de 2 dias de estar em casa, ao levantar-me de manhã da cama fui abaixo das pernas sem ter forças absolutamente nenhumas para me manter em pé, sem dores. Aí sim fiquei em pânico pois com 14 anos e paralisada não podia ser. A minha mãe ligou logo para o médico e ele encaminhou-me logo para um reumatologista. Perante o meu quadro clínico e sintomas, voltei novamente a fazer uma série de análises, na qual sem eu saber para que era, constava a do lúpus. Aí sim já obtive resposta para o que se passava. Como na altura do meu internamento, de certa forma senti-me enganada pelos médicos, para mim eram todos mentirosos e aldrabões. Portanto as minhas primeiras palavras para o meu reumatologista e antes de me sentar à frente dele foi: Sr. Dr. se não que passar por mentiroso porque não confio nos médicos, quero que seja sincero comigo e me diga a verdade sobre o que tenho e o que me vai acontecer. Sentei-me e ele começou por me dizer que tinha uma doença que tinha o nome de LES - lupus eritematoso sistémico. Havia dois tipos, o meu, Lúpus Eritematoso Sistémico e o Discóide. Como sempre em tudo na vida gostei de ser diferente até o Lúpus tinha que ser o mais complicado. Mas segundo o meu médico se fizesse o que ele me dissesse estava tudo controlado e iria correr bem. Perguntei logo se podia fazer a minha vida normal e ele disse-me que sim, só tinha era 3 inimigos nr. 1, fazer praia, tomar a pílula e tomar calmantes. Iria também que ter paciência, pois tinha que fazer medicação que iria ser complicado a adaptação. Foi quando me disse que tinha de tomar cortisona e da maneira que estava tinha que ser doze de ataque 30mg diárias, pelo qual o meu corpo elegante iria desaparecer. A minha mãe começou logo a chorar, porque a menina dela com 14 anos tinha de tomar cortisona. Na hora mandei a minha mãe calar, pois a doente era eu e não ela. No fim de pesar os prós e os contra e no fim de muito pensar, perguntei se um dia poderia ter filhos. Ele respondeu-me afirmativamente, mas teria que ser com autorização dele e no fim de fazer exames. Engordei brutalmente e entretanto apareceu-me a famosa borboleta na cara. Não tive medo, mas senti-me muito triste, triste como poucas vezes me senti nesta vida, ainda tão insignificante diante de tantas possibilidades que ainda existiam. Sei como isso causou medo a quem me amava, aos meus amigos e familiares, especialmente à minha mãe. Só eu sei como era difícil olhar no espelho e não me encontrar. Cheguei a um ponto na minha vida que não me via ao espelho, cheguei a fazer caracóis no cabelo para me poder pentear sem lhe dar uso. Aí sim custou-me muito a adaptar-me ao meu novo corpo e fisionomia. Bem os anos foram passando e quando eu tinha 20 anos, faleceu uma vizinha minha de 21 anos também com o lúpus. Apesar de eu me sentir bem, o lúpus estar controlado e estar a tomar só 10 mg de cortisona, entrei em pânico e pensei que a seguir era eu a falecer. Comecei a chorar e disse à minha mãe de que independente do meu estado civil eu antes de morrer ía deixar um filho. Por ironia do destino, passado 3 meses e apesar de tomar precauções engravidei da minha filha. Quando dei a notícia ao meu médico ele queria -me "matar", até irresponsável me chamou. Contei-lhe que mesmo a ter cuidado tinha acontecido. No fim de ele se acalmar e digerir a notícia pôs-me ao corrente do que podia acontecer. Iria ser uma gravidez de risco e que até aos 4 meses de gestação poderia perder o bebé, se tal não acontecesse que iria nascer antes do tempo. Correu tudo bem, mas nasceu antes do tempo. Nasceu uma princesa linda, perfeitinha e saudável. À nascença fizeram-lhe o despiste do lúpus e felizmente não tem. Passado 4 anos tive um rapagão, já com autorização do médico, mas também antes do tempo. Nem um nem outro precisaram de incubadora. Tenho um casal de filhos lindos com 21 e 17 anos. O que eu quero dizer com isto tudo é que, apesar de eu saber o que me pode acontecer, falência dos órgãos internos, sempre fiz a minha vida perfeitamente normal. Nunca fiquei de cama, apesar de por vezes arrastar-me para me poder deslocar, sempre comi, bebi e profissionalmente estou realizada. Como profissão sou motorista/socorrista há 13 anos, numa empresa privada de ambulâncias. Também sei que é uma profissão pesada para mim, mas é o que adoro fazer. Sempre disse e digo: parar é morrer e para mim uma pessoa doente é quando se fica acamada sem se conseguir mexer para o resto da vida. Sim eu sei e se sei, que as dores dão muitas limitações e quando dói, dói mesmo, quase insuportáveis mas se uma pessoa pára é pior e o lupus agradece pois toma conta de uma pessoa a uma velocidade astronómica. Por isso mesmo e pelo resto, nunca desanimar nem tão pouco desistir. Vivo com o lupus há 29 anos e quero viver outos 29. Actualmente continuo a tomar cortisona, que nunca deixei de tomar, 10 mg diárias. O Lúpus me ensinou à valorizar pequenos gestos, pequenas conquistas e pequenas vitórias.
Sempre agradeço por coisas que eu posso fazer e sei que existem pessoas que não podem.
Hoje valorizo não só o que eu deixei de fazer por causa do Lúpus, valorizo tudo e qualquer coisa que faço e que VIVO. Vivo um dia de cada vez e agradeço a Deus por mais um ano passado. Aproveito também para deixar aqui o meu profundo e sincero agradecimento ao meu médico Professor José Julio Moura

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