Sarah faz o seu relato, tem 23 anos, e vive em Braga
Bem, foi-me pedido que escrevesse o meu relato da doença, a minha resposta foi: ”não tenho muito a dizer”, mas afinal sim há algumas coisas a dizer.
Chamo-me Sarah, morava na Suíça, era eu pequenina quando ouvia a minha mãe a queixar-se com dores articulares, ela tem o Sindrome Sjogren que surgiu após o nascimento do meu irmão. Ele era gémeo de uma menina, que no nascimento, a minha mãe soube que ela estava morta, não sei se a tristeza foi um ativador da doença, sei que ela ficou paralisada na cama e eu, com 3 anos ajudava a tomar conta do meu irmãozinho, depois voltou ao “normal”, com dias de dores dias normais. Tudo isto, para dizer que por volta dos meus 12 anos queixava-me das minhas mãos, a minha mãe, preocupada, levou-me ao médico e este disse que deveria ser por ver a minha mãe assim e eu imitava. Não me recordo se depois as dores desapareceram, sei que nada foi detetado. A médica sugeriu que viéssemos para Portugal, dizia que o clima era melhor para ela e para mim visto que já andava com dores.
Entretanto, com os meus 13 anos vim para Portugal viver. As dores voltaram com os meus 14 anos, a minha mãe voltou a levar-me ao médico, a um reumatologista, fiz exames e foi-me diagnosticado reumatismo, requisitando-me corticoides. As dores continuavam e continuavam, fui a outro médico que disse “tens artrite”. Outro diagnóstico….
Um dia, tive muitas dores, não andava, os meus pais levaram-me a um médico particular, que muito simpático fez um pedido para eu ser aceite no S.João do Porto, e fui… Encontrei uma médica simpática, mas principalmente boa médica, na minha opinião. Aí concretizei analises…Uns meses (acho eu) depois, fui a consulta, e nunca mais me esqueço nesse dia ia uma amiga minha da Suiça (qua morava no Porto) ter comigo, porque já não nos víamos a muito tempo, e foi ter ao S. João. As imagens que guardo na memória são, eu a sair da consulta a chorar muito e a minha mãe também (depois de tanto tempo sem me ver, foi assim que me apresentei à minha amiga e à mãe dela), abraçaram-me e disseram não é nada!! O meu pai, que também lá estava, virava-se, para não o ver com as lágrimas nos olhos.
Choravamos, porque? Porque entrei na consulta, com apenas 14 anos, a médica diz-me “tens lúpus, é uma doença crónica, é para o resto da tua vida, não podes apanhar sol, tens de tirar o teu piercing do umbigo (podes ganhar infeção)”, se não foi assim, foi mais ou menos. Eu, com 14 anos, só pensava “tenho 14 anos e vou ter uma doença para sempre!! Deixar de ir a praia, que é o que mais gosto de fazer!!Tirar o meu piercing! NEM PENSAR!!!! Entretanto, chorei, chorei e chorei muito tempo, não aceitava.
Eu, teimosa, continuava a fazer a minha vida como se nada fosse, não tirei o piercing, apenas nos dias das consultas, até que a minha mãe fez queixa à médica, e aí ela disse “pronto, se ela não ganhar infeção, deixe estar”. Até que chegou o Verão, a tal ida a praia, em que toda gente fica morena, linda….Fui de férias, com um grupo de amigos, passavam os dias a mandar vir comigo “sai do sol Sarah” e eu nada…sempre, assim teimosa, queria ser igual a elas, morenas, lindas. O pior foi eu começar a engordar, por causa do tal medicamento, corticoides, lembro-me de um episódio em que fui as compras com minha mãe, porque não tinha calças que me serviam, experimentei um par, outro e outro e outro nenhum me servia, eu queria vestir o número que sempre vesti….Estava eu num provador e chorei muito e berrei com a minha mãe (que não tinha culpa), dizia eu: “não quero mais experimentar roupa, estou farta”. A minha mãe, coitada, levou-me a uma loja cara e deu-me umas calças que me serviam. Enfim…
Acordei muitas vezes com dores durante a noite, queria ir a casa de banho e não conseguia, chorava de dores, de raiva, só “pensava porquê a mim?” o meu pai acordava, pegava em mim e lá começava a andar pouco a pouco pelos corredores da casa. De manhã, acordava, muitas vezes, com as mãos presas, ia de no autocarro, para a secundária, com vergonha de ter os dedos presos e inchados. Tive gastroenterites, fiquei internada, etc.
Entretanto, fiz a minha vida normal, tive amigas, amigos que se eu não dissesse nem davam conta que tinha uma doença, não fazia questão de lhes dizer, pensava eu “não sou doentinha”. Fui para a Universidade, para Braga, para uma privada, porque a minha mãe não queria que eu fosse para longe devido a doença. Entrei em psicologia, e os três anos de curso foi a melhor coisa que me aconteceu, não tive dores durante os anos todos, fiz bons amigos e ninguém desconfiou o que tinha, apenas as minhas amigas próximas é que sabia o que eu tinha. No meu último ano, fiz o trabalho de curso sobre implicações psicológicas do lúpus, achei interessante. Três anos passaram a correr…e acabei o curso, mas ainda tinha o mestrado pela frente.
Vou contar outra asneira, o ano passado deixei, aos poucos, a cortisona sem autorização de ninguém, perdi logo 6 quilos, fiquei feliz. Não tinha dores, sentia-me bem. Fui a uma consulta e contei a doutora, ela berrou mas disse: “pronto vamos fazer análises e vamos ver como estás”. Meses depois, fui ver o resultado, eu estava bem fisicamente, mas o sangue não estava bom, voltei a cortisona, Paciência.
Agora, tenho 23 anos, tenho uma vida normal, por vezes com dores articulares ou no peito, com família, namorado, amigos, todos que me apoiam e estou no segundo ano do mestrado, a vida é isso e não é o LÚPUS. Estou a fazer a minha tese sobre qualidade de vida, fadiga, ansiedade, depressão e stress no lúpus, comecei agora a aplicar os instrumentos (só apliquei 5 e preciso de 60 lol). Fiquei feliz por conhecer pessoas novas, não por terem lúpus, acho que isso não tem importância, mas sim pelas pessoas que são e lutadoras.
A minha forma de ver as coisas, e digo a minha mãe, que tem dores e queixa-se, não penses na doença, temos de viver como se a doença não existisse. Quanto menos pensarmos menos ela nos ataca. Eu sei que custa porque também tenho dores e dói mesmo, mas eu digo-lhe isso. E digo para as pessoas todas, não podemos nos queixar, há sempre alguém pior que nós. A nossa doença não é fácil, não, mas vive-se com ela, com força, apoio (que muitas vezes não temos, pois as pessoas não percebem ou dizem que somos manhosas, temos a mania das doenças ou mesmo que estamos sempre doentes, a mim já me disseram “com dores tu??? imagina quando fores mais velha”), muita gente não acredita e não se interessa, por isso mais vale não dizer nada, dizermos está tudo bem, é da forma que estamos mesmo :D Viver com lúpus não é fácil mas é possível, basta querermos. Posso vos confessar, neste momento apenas uma coisa me preocupa, a possibilidade de não concretizar o sonho de ser mãe, isso sim assusta-me, mas sei que muitas lúpicas são mães, com bebés saudáveis, eu sei que vou ser mãe J
Não sei se o meu relato é interessante para alguém, mas o Jorge pediu e hoje estava inspirada. Acho que não sirvo de lição para ninguém, porque fiz asneiras, mas acho que também era da idade lol. Mas uma coisa eu sei, TEMOS DE SER FORTES, PACIENTES E VIVER UM DIA DE CADA VEZ.
Eu aprendi a viver com Lúpus, ELE NÃO EXISTE, EU É QUE EXISTO.