Fiquei de relatar a minha vida com lupus mas ainda não passei da 1.ª etapa.
Bem, parei o meu relato no momento em que saí da maternidade Alfredo da Costa, com os braços vazios, aliás tudo vazio. Mal eu imaginava o que se seguiria.
Logo na noite após a alta, comecei a sentir dores muito fortes nas costas, na zona dos rins e deixei de urinar. Na manhã seguinte, voltámos à maternidade à procura do meu obstetra. Quando ouviu as minhas queixas, encaminhou-me imediatamente para o serviço de Nefrologia do Hospital Curry Cabral. Comecei a fazer hemodiálise: foi uma descida abrupta ao fundo dos infernos.
Tive uma equipa de médicos fantástica, muito empenhada em me salvar a vida e muito interessada em aprender o máximo com o meu caso clínico. Há 23 anos não se sabia muito do que se sabe hoje.
Tive o meu 1.º encontro sério com a morte. Só eu não percebia, apesar de me sentir tão mal. A família, mesmo aqueles que raramente via, passou toda pelo hospital para me verem. Era a despedida. Contudo, ainda não tinha chegado a minha hora.
Pelo que percebi, alguém se lembrou de que os meus rins podiam não estar doentes e que podia ter trombos nos ureteres a entupi-los. Mais um dia, após não sei quantos de imobilidade numa cama de hospital. Numa manhã de milagre para mim, levaram-me para uma sala, e - não vou falar do sofrimento - e livraram-me dos trombos. Quando voltei à minha cama da Nefrologia, os rins desataram a funcionar como uns loucos e era só esvaziar os sacos de urina: 5 litros por dia. Nunca mais me hei-de esquecer da alegria do meu marido, dos meus pais, da minha irmã e dos médicos. Para não me porem a soro, tinha de beber 5 litros de água por dia. Não sei quantos dias durou isto.
Entretanto, livre do pesadelo da hemodiálise, entenderam os médicos que eu estava a melhorar. Todos os dias aparecia um médico, professor de medicina, com os seus alunos, para, com a minha autorização, me questionarem e tentarem chegar ao diagnóstico. Lupus para cá, lupus para lá, mas não havia consenso entre a equipa médica da Nefrologia.
Chegou o dia da alta, mas eu sentia-me doente. Lembro-me que o regresso a casa foi um misto de alívio e desapontamento, porque eu sentia-me tão estranha... cansada...
Não fiquei muitos dias em casa. Era tempo das festas dos santos populares. Saí uma noite com o meu marido, para respirar o ambiente alegre e, nessa mesma noite ele teve que me levar de novo para o hospital porque o meu corpo estava cheio de petéquias. Tive púrpura trombocitopénica ( as plaquetas ficaram muito baixas, cada pinta vermelha era um ponto hemorrágico). Seguiu-se um longo internamento de meses, com muita cortisona, transfusões de plaquetas, muitas lágrimas, muitos exames médicos, muitas dúvidas e um diagnóstico: lupus eritematoso disseminado. Credo, que é isso? Insuflei, insuflei, até ficar com um rosto irreconhecível, de tanta cortisona. Fiquei sem cabelo, enfim... Biópsias, punções lombares, picadelas aqui, picadelas ali... Não vou entrar em mais detalhes.
Apenas quero acrescentar que fiquei no pavilhão E de Medicina Interna do Curry Cabral , que era como uma enorme camarata onde havia muitas desgraças e pouquíssimas condições.
Para compensar, eram fantásticos os médicos bem como quase todas as enfermeiras e algumas das senhoras auxiliares. Estou muito grata a todos os que me trataram com total dedicação e carinho. Recordarei para sempre com muita gratidão a Dra. Fernanda Correia, a médica responsável por mim.
Por hoje chega. Estou viva. Força para todos!
Abraços solidários
Cristina