quarta-feira, 23 de março de 2011

Relato de Marina corrêa

Marina faz o seu relato, tem 26 anos, e vive em S. Miguel, Açores

agradeço essa oportunidade de poder partilhar o meu testemunho com outras pessoas.
É para mim um enorme regozijo poder partilhar meu testemunho com outras pessoas. Espero poder ajudar, de alguma forma.

Meu nome é Marina, sou açoreana. Nasci e moro em S. Miguel, um verdadeiro paraíso, um pedacinho de céu!

Tenho 26 anos, tenho uma linda família, um pequenote com 2 anos de idade que é a minha vida! Tenho um marido fantástico! Trabalho como assistente administrativa, num escritório de advogados. Adoro ler, escrever, amo poesia, adoro estar ao ar livre, passear na praia ao fim da tarde, adoro flores, adoro lasanha. Minhas cores preferidas são o amarelo e o violeta! Adoro comer gelado de morango. Minhas frutas prefridas são romã, morango, manga e laranja. Amo estar com minha familia, falar com meus amigos, conhecer novos amigos, aventuras na natureza, explorar toda a natureza que nos rodeia, estar à beira mar sentada, sentindo a àgua a tocar os pés e reflectindo, olhando o horizonte... fazer castelos na areia, brincar com meu filhote, correr, saltar, gritar... chorar, rir... dormir... dançar, ouvir música, falar com Deus... tudo coisas que uma pessoa normal faz!

No entanto, apesar de gostar de tudo isto, e de fazer o que referi acima, não sou uma pessoa normal.

Tenho Lúpus Eritematoso Sistémico. Os sintomas começaram um pouco antes dos meus 17 anos de idade. Dores nas articulações, intolerância ao sol, ao sal, grandes edemas, dores fortes no estômago, depressão crónica e dores no peito, seguido de um enorme cansaço.

Fiz análises ao sangue e vários exames, tais como: raio-x, ecocardiograma, electrocardiograma. Tive várias consultas, com vários médicos. Até que um dia decidi ir a um médico especialista em reumatologia, porque pensava que se tratava de algum problema nos ossos. Realizei novos exames.

Passou algum tempo até ao médico dizer-me: "Marina, tens Lúpus, uma doença crónica que tem de ser tratada até ao resto da tua vida. Apartir de agora tens muitas restrições. Podes viver a tua vida, mas já não será a mesma coisa. Lamento! Tens de ter vigilância médica e tomar medicação todos os dias, a tempo e horas. Não podes falhar. Tens de tomar bem conta de ti!".

Uma jovem de 17 anos de idade, com tantos sonhos pela frente, ao ouvir isto na cara, foi como se o mundo tivesse parado. Eu só queria acordar e ver que tudo não tinha passado de um pesadelo horrível! Lágrimas começaram a correr-me pelo rosto... vi a minha vida dar uma volta de 180º. Desejei morrer do que viver nesta angústia para o resto da vida... e, quando seria isto? daqui a um ano? dois? podia ser amanhã mesmo. Não se pode prever quando se vai morrer, mas agora sei que corro maiores riscos.

O meu primeiro internamento deu-se logo depois dessa consulta. Tive muitas complicações. Edemas nas pernas e mãos, dores horríveis nos ossos, aftas que causaram úlceras na língua, dores fortes de cabeça, falta de apetite e uma grande perda de peso. Eu meço 1,70m. O meu peso normal sempre foi de 65/67kg... e cheguei a ter 50kg.

Os dias que passei no hospital foram tão solitários, passava-os atrás de uma janela, sentada, olhando os lindos dias de sol. Pensando que poderia estar na praia, fazendo o que os jovens normalmente fazem... eu já não era mais uma jovem normal.

Perdi a conta das noites que passei em claro, das lágrimas que chorei, das vezes que pedi a Deus que me confortasse.

Apesar de tudo, contei sempre com o apoio de meus pais. O amor deles por mim é incondicional. Não faltavam a uma visita! Estavam sempre lá para me confortar e apoiar. Mais dificil foi vê-los chorar.

No hospital já todos me conhecem. Quando estou internada tratam-me por "a boneca da casa". Os enfermeiros e restantes funcionários são impecáveis.

Saí do internamento, com uma nova etapa em minha vida. Tenho uma "farmácia" em casa. Alimentação a horas para poder tomar a medicação. Alimentação saudável! Nada de praia, "nada de ir estudar para a universidade" avisou-me o médico, "sabes que agora é muito complicado, precisas de teus pais e de estar em vigilãncia médica. O teu caso é muito complicado". Não é nada fácil aceitar ouvir isto, quando se tratava de um sonho que tive de esquecer.

Depois desse internamento, já perdi a conta das vezes que fui internada.

Fiz 2 biópsias aos rins, que felizmente não acusou nada de anormal, mas que entretanto tive complicações depois da realização das mesmas. Fortes hemorragias e dores horriveis.

Tive um principio de um enfarte miocárdio, tenho o chamado "rash cutâneo" conhecido pela "borboleta" e como sou muito branca, nota-se à distância.

Tive um tromboembolismo pulmonar, seguido de uma pneumonia, febres altas, perda total de apetite, vómitos e dores fortes no peito. Nem conseguia estar deitada, parecia que cortava a respiração. Tive um tratamento radical de 80 mg de cortisona por dia, seguida de mais 40 e tal comprimidos por dia.

Quando fiquei grávida foi quando surgiu todas essas complicações. Não quis abdicar de meu filho. Sabia que corria um grande risco mas quis tê-lo. Passei muito porque teve de ser cesariana. O Tiago nasceu às 00h35 de 26 de Fevereiro de 2009. Um lindo menino, embora prematuro, nasceu com 8 meses. Às 8h00 da manhã, tive de seguir para a sala de cirurgias porque estava a esvaiar-me em sangue. Colocaram-me um drene, que entretanto, por erro médico foi grampiado. Mais tarde, com febres altas, e inchaço na sutura, uma enfermeira viu que a situação estava feia e foi logo chamar um médico. O drene estava colado. Tinha uma enorme infecção. Fui operada a sangue frio... estupidez por parte de quem o fez... foi um pesadelo, Tudo para retirar o drene. Tornei a levar pontos. Fiz um tratamento forte para a infecção, que parecia lume nas veias. Eu queria desistir da vida mas sempre que olhava para a carinha de meu bébé, que se encontrava no bercinho ao lado de minha cama no hospital, tudo mudava. Eu agora tenho uma responsabilidade. Tenho de ser forte. Apesar das dores intensas e das coisas horriveis pelas quais passei, não me arrependo nem por um segundo de ter tido meu filhote. Ele é a minha razão de viver. Luto por ele!!!

Fui internada 3 vezes depois do Tiago nascer, e só o via através da janela do quarto, ao longe.... imaginem o que é ter um bébé e não poder estar com ele nos primeiros tempos de vida. Muitas pessoas comoveram-se com a minha situação. Para mim era insustentável. Queria segurá-lo no meu colo mas não podia. Nem sabia se iria sair viva para o poder ver novamente...

Fiz vários Tacs, cateterismo cardíaco, densometria óssea, continuo sendo seguida no hospital. Tenho análises de 15 em 15 dias, até já brinco com as enfermeiras quando elas estão à procura das veias, digo que são veias fugitivas lol...

Continuo com a dor no peito, apesar dos vários exames que fiz, dizem que é derivado a uma grande angústia que ainda carrego em meu peito... e a dor manifesta-se fisicamente.

Há pouco tempo fiz uma cononização ao útero. Encontraram vestígios de células pré-malignas no útero e uma lesão de alto grau. Mas já passou, e o diagnóstico foi bom apesar de ter de realizar exames uma vez por ano, pelo menos, para estar sempre me vigilância.
Aguardo também uma ecografia que será realizada aos meus joelhos, devido à fibriomialgia.

Quase 10 anos depois, continuo tomando medicação, a doença parece estar sempre acordada, tenho dores horriveis nas articulações, fibriomialgia avançada.

Tenho psicóloga, psiquiatra (porque tenho uma depressão crónica e tendência a esgotamentos), cardiologista de hipertensão pulmonar, dermatologista, reumatologista, consultas de tratamento de coagulação do sangue (tomo Varfine há 2 anos) e oftalmologista.

Eu contei um pouco de tudo. Se contasse todos os detalhes, daria um livro.

Como consigo lidar com essa doença?
R: Ainda não aceitei o facto de ter Lúpus, nem nunca vou aceitar mas estou aprendendo a viver com ele.

Porquê eu?
R: A doença não escolhe idades... e estava destinado. Não me serve de nada estar a lamentar-me pelos cantos. Isso não resolve o problema. Só piora.

De onde vem tanta força e esperança?
R: Através de Deus e de um simples sorriso de meu filhote, vejo que todo o meu sacrificio vale a pena. Vivo por ele!!!

Passei e tenho passado por muitas provações na vida, e com esta doença, ainda complica mais as coisas, mas ter Lúpus ajudou-me a crescer mais espiritualmente e a ser uma pessoa melhor e mais comprrensível. Mudou a minha vida por completo, ainda estou aprendendo a viver com isso mas com fé em Deus, e esperança de que tudo irá ficar bem um dia, alimenta as minhas forças!

Muitos não compreendem o que é ter Lúpus, por não estarem na mesma situação, felizmente, mas é muito bom quando temos quem nos compreenda e apoia.

Muito amor, carinho e paz, é o essencial para ir vivendo a vida... para quem tem Lúpus.

Apesar de tudo digo, com muito orgulho, que sou uma mulher forte e muito mas muito feliz! Com um lindo filhote, um bom marido e pais que me amam... que mais posso querer????

Um grande abraço a todos os que têm Lúpus! Lembrem-se sempre... não estão sós, há sempre alguém pronto para os ouvir e abraçar. E, muita fé em Deus!!! Muita força e que a esperança seja a última a morrer....


Marina Corrêa
23 de Março de 2011, S.. Miguel, Açores

10 comentários:

MINDA disse...

Olá Marina, estive a ler o seu relato e fiquei comovida! Eu também tenho Lúpus, penso como a Marina,é mesmo com esse estado de espírito que podemos ir vencendo esse lobito,a dias em que é difícil mas que fazer? força e fé em Deus,abraço de paz.

Tony Madureira disse...

De facto a Marina é uma mulher Forte, positiva!!

Marina Silva Corrêa disse...

Olá, bom dia!!!
Para a Minda: gostei muito do seu comentário e, em especial, por ter lido meu relato! é a primeira vez que publico na internet algo sobre o que passei derivado ao Lúpus... e tal como disse, muita força e muita fé em Deus!!!! beijinhos
Para o Tony: muito obrigado pelo seu comentário e, tal como referi à Minda, obrigado por ler meu relato!!
Um abraço!!!!

Paula Ferreira disse...

Olá Marina..
Gostei do relato, intenso mas positivo... é assim que todas devemos seguir..
Tambem tenho lupus e como tu tambem tive complicações da gravidez (meu filho tem agora 13anos) tambem fiz varfine durante 2 anos apos o parto, mas felizmente pode deixar ao fim 2 anos....
Continua com essa força..
Tudo de bom

Marina Silva Corrêa disse...

Olá Paula! Tudo bem? sabes, na verdade, tenho uma pergunta: fizeste cesariana???? eu 'tou só um pouco "assustada" pelo facto de ainda não me terem tirado o Varfine :( nunca 'tá controlado e nunca falhei um dia. Já lá vão 2 anos... e o Varfine trás outras conmplicações e hemorragias é uma delas... até no escovar os dentes :(

Marina Silva Corrêa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marina Silva Corrêa disse...

Tenho facebook!!!

procure por Marina Silva Corrêa

bjnhs

margarida disse...

Olá miga!!! Gostei muito do que escreveste, da maneira como descreves essa doença que já te acompanha há algum tempo, e ainda gostei mais da força que tu demonstras.
Acompnhei o desenvolvimento dessa doença silenciosa, e sei o que sofres. No entanto, sei tambem que és uma mulher forte e que irás ultrapassar cada obstaculo na tua vida, sempre com fé e um sorriso nos lábios.
Sempre te preocupaste com os outros, mas o momento é de pensares em ti, porque se tu estiveres bem, todos os que gostam de ti também estarão.
Amiga, obrigada pela tua força e pela tua amizade, no que depender de mim,sabes que tens sempre o meu apoio e amizade. Adoro-te maluca. Continua a lutar por essa vida que amas. bjhs

Paula disse...

Olá Marina...como eu te compreendo..passo pelo mesmo e também moro em são miguel.
Continua com essa força, porque é o melhor dos medicamentos.
Beijos Paula Nóbrega
paulanobrega.appj@gmail.com

Ju disse...

Oi Marina...
Li seu relato...
É impressionante a nossa força...Nós sim somos admiráveis..risos
Nossa história é bem parecida, vivemos momentos intensos com o lobo, dificuldades, medos, angustias e ainda sim aprendemos a olhar o mundo com outros olhos...
Adorei ler que vc escolheu aprender, crescer,ao invés de lamentar ter o lúpus.
Força, Saúde, entusiasmo, fé, amor e muita vontade de viver é o que desejo para todas nós.
Beijinhos ...da menina do blog
http://juvianablog.blogspot.com/